segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O Choro e os Sambas.

O violão está nas raízes populares do Brasil desde o início da formação da nossa sociedade. Instrumentos de corda similares ao violão foram utilizados na catequese dos índios, pelos jesuítas, que viam na música uma eficiente ferramenta de conversão. A esses mesmos índios foi ensinado o ofício da marcenaria e daí surgiram os nossos primeiros luthiers. Como o violão era um instrumento relativamente barato e simples de fazer, caiu logo no gosto popular, acompanhando modinhas e músicas folclóricas .
Mas o violão se consolidou mesmo como instrumento acompanhador de modinhas. O gênero, muito apreciado pela elite carioca, foi o passaporte do violão para os grandes salões. Porém, o violão experimentou um amargo declínio na Europa após a década de 1830, sendo ofuscado pelo advento do piano, no romantismo, como veremos melhor no próximo capítulo. Fora dos salões, o violão teria abrigo nas classes mais simples que, à sua maneira, executavam músicas européias (dentre as mais expressivas, a polca, a valsa e o schottisch ) em encontros de fim de semana. A forma característica de tocar polcas, empregada pelos músicos populares, e o costume dos solistas de fazer seqüências harmônicas enganosas só para induzir o acompanhador incauto ao erro foram, pouco a pouco, moldando o choro.
Com a chegada da corte portuguesa ao Rio e Janeiro, em 1808, as bandas militares assumiram nova importância. Segundo Caiado, (2001) “com o tempo, foram se formando bandas similares compostas por civis, que se apresentaram em bailes e em praças públicas”
A burguesia urbana, abalada com as sucessivas crises financeiras do país, pagava cada vez mais caro para manter um escravo ao seu serviço. Começaram então, a ensinar ofícios aos escravos, para que pudessem se pagar com o trabalho e, de preferência, dar algum lucro (TINHORÃO, 1997). Muitos aprenderam o ofício de barbeiro, que lhes deixava tempo livre suficiente para praticarem atividades musicais. Segundo Caiado, “os conjuntos de músicos barbeiros surgiram na segunda metade do século XVIII, nos dois principais centros urbanos do país, Salvador e Rio de Janeiro” e figuram como os precursores da formação de choro. Debret relatou que esses músicos executavam “valsas e contradanças francesas (...) arranjadas a seu modo” .
Referências sobre os grupos de músicos barbeiros são encontradas na obra de Alexandre Gonçalves Pinto, O Choro – Reminiscências dos chorões antigos – onde se traça o perfil de 400 personagens que participaram da história do choro entre 1870 e 1936. Outra contribuição importante foi a de Cláudio Monteiro, flautista, copista e compositor. Foram encontradas dez composições de sua autoria, além de transcrições, de outros compositores de sua época. Graças ao hábito que tinha de anotar a data e a localização do bairro em suas transcrições foi possível esboçar um verdadeiro mapa dos redutos chorões cariocas;Sempre em bares ou confeitarias, tanto do centro como do subúrbio. Alexandre Gonçalves Pinto cita alguns desses em seu livro de memórias: Engenho Velho, Andaraí, Estácio de Sá, Largo de São Francisco.
As bandas militares também desempenharam um papel de destaque nesse processo. Ganharam importância com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808. O padre Luís Gonçalves dos Santos contrasta a balbúrdia com que a corte foi recebida em 1808, onde o som dos músicos se misturava com gritaria, fogos de artifício e tiros de canhão e passados dez anos, os desfiles já eram organizados, com bandas de regimentos da guarnição da corte e de milícias . Após a renúncia de D.Pedro I, em 1831, foi aprovada uma lei que permitia a criação de grupos paramilitares em todo o Brasil, surgindo então a Guarda Nacional. Essa medida contribuiu para a proliferação das bandas. Segundo Tinhorão, ao final do século XIX, o Rio de Janeiro possuía maior número de bandas militares do país. Essas bandas logo seriam imitadas por grupos de civis, animando festas em locais públicos, com repertório variando entre clássicos e canções populares.
Nesse cenário, surge Anacleto de Medeiros, que foi um dos mais importantes compositores na história do choro. Fundou a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, em 1896, que utilizava como meio de veiculação da música popular. Anacleto soube selecionar para essa orquestra os melhores músicos cariocas da época, tornando-a reconhecida e respeitada. Sua influência estendeu-se a obras de Villa-Lobos e de Radamés Gnatalli.
No final do século XIX, chega ao Brasil o teatro de revista, trazido pelas companhias francesas. Essa nova forma de teatro tinha por objetivo passar em revista (daí o nome) os principais fatos acontecidos no ano anterior, sendo um canal aberto para compositores, escritores e outros artistas, e transformando-se no mais potente meio de divulgação da cultura popular até o advento do rádio. Foi de suma importância para a produção cultural do Rio de Janeiro, que cresceu a olhos vistos e começou a alcançar públicos cada vez maiores. Então, para organizar os festivais de música, era necessário contratar os músicos – aí entraram os chorões, tocando sob a batuta de maestros de formação européia. Esse contato entre músicos eruditos e populares foi muito produtivo para ambos os grupos, e se repetiu na era do rádio, com Radamés Gnatalli criando arranjos para canções populares.


O Samba é uma dança popular de ritmos e melodias de raízes africanas, como o lundu e o batuque, em compasso binário e ritmo sincopado. Como gênero musical urbano, o samba nasceu e desenvolveu-se no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX. Tem origem na dança que era originalmente acompanhada de pequenas frases melódicas e refrões populares e anônimos; foi disseminado pelos negros que migraram da Bahia na segunda metade do século XIX e que foram morar nos bairros fluminenses da Saúde e da Gamboa. A dança incorporou características de outros gêneros cultivados na cidade, como a polca, o maxixe e o lundu, originando o samba urbano carioca. Surgiu nessa época o “partido alto”, expressão que designava um conhecimento especial dos baluartes do samba. Batista Siqueira diz que os jornais cariocas, em 1878, anunciavam um divertimento popular com o nome “samba” (SIQUEIRA, 1978).
Mário de Andrade levanta algumas hipóteses sobre o significado da palavra samba. Segundo ele, além do fato irrefutável de que "zambo" (ou "zamba") designa o mestiço de índio e negro. "Zamba" é também uma dança espanhola do século XVI.Porém, uma das mais consensuais versões dentre especialistas é a de que a palavra samba é a evolução da expressão "semba", que significa umbigo em quimbundo (língua de Angola). A dança teria antecedido a música, pois "semba" - também conhecido por umbigada ou batuque - designava um tipo de dança de roda praticada em Luanda (Angola) e no Brasil, principalmente na Bahia. Dança de roda cantada, acompanhada de palmas e percussão, o homem se requebrava,girava e dava uma umbigada num outro companheiro que então o substituía no centro da roda. O próprio nome samba já era empregado ao ritual dos negros escravos e ex-escravos, no final do século XIX.

"Nos primeiros tempos da escravidão, a dança profana dos negros escravos era o símile perfeito do primitivo batuque africano, descrito pelos viajantes e etnógrafos. De uma antiga descrição de Debret, vemos que no Rio de Janeiro os negros dançavam em círculo, fazendo pantomimas e batendo o ritmo no que encontravam: palmas das mãos, dois pequenos pedaços de ferro, fragmentos de louça, etc.. "Batuque" ou "Samba" tornaram-se dois termos generalizados para designarem a dança profana dos negros no Brasil"

No dia 12/02/1901, o jornal baiano Jornal de Notícias publica a seguinte nota:

“(...) acho que autoridade [comissário de polícia] deveria proibir esses batuques e candomblés que, em grande quantidade alastram as ruas nesses dias, produzindo essa enorme barulhada sem tom nem som, entoando o tradicional samba, pois que tudo isso é incompatível com o nosso estado de civilização (...)” .

Essa nota demonstra de que forma eram vistos não apenas o samba, mas os costumes afro-brasileiros de uma maneira geral, na época. Havia até intervenções policiais nas casas de negros em que se tocassem sambas. Para que tal não ocorresse, uma licença deveria ser solicitada na polícia. Numa entrevista de Nelson Caiado com Nicanor Teixeira, Caiado fez a seguinte pergunta:

“O samba era, e ainda é, um ritmo muito associado a instrumentos de percussão. Comparados com os instrumentos solistas e de harmonia: violões, cavaquinhos, instrumentos de sopro etc, como eram vistos os instrumentos e instrumentistas de percussão? Havia um status diferenciado?”
Nicanor respondeu:
“Eu acho que os percussionistas, de um modo geral, eram considerados como submúsicos por só fazerem o ritmo. Não havia aquele valor que se dava ao violonista, ao cavaquinista e aos músicos que liam. Havia essa diferença sim, mas isso existe até hoje, veladamente, às vezes nem tanto, mas sempre existiu”.

Segundo Batista Siqueira, já nos jornais de 1878, se anunciava um certo divertimento popular chamado “samba” (SIQUEIRA, 1978). A música “Pelo telefone”, de 1916, de Donga (Ernesto dos Santos), foi gravada em 1917, por Baiano (Manuel dos Santos) e durante muito tempo foi considerada o primeiro samba a ser gravado fonograficamente. Mas, segundo Nelson Caiado (2001), pesquisadores já encontraram obras que se enquadram nos mesmos padrões rítmicos gravadas antes desta. (MOURA, 1995).

Outras polêmicas também cercam “Pelo telefone”, como a autoria (se seria uma obra exclusivamente sua ou coletiva) e até sobre tratar-se de samba mesmo. Ismael Silva levantou a questão no final dos anos 60, afirmando que a gravação de Baiano era, na verdade de um maxixe. (CABRAL, 1974).
O que não se pode perder de vista que o sentido da palavra samba foi mudando ao longo dos anos.

O samba é culturalmente ligado ao morro, porém a primeira escola de samba, a Deixa falar, que nasceu no asfalto do Estácio e fez a sua primeira aparição oficial no desfile da Praça Onze em 1929, surgiu como um "ato de malandragem". O que se via nas ruas durante o carnaval era o desfile das grandes sociedades, organizadas pelas camadas sociais mais ricas. Elas surgiram na segunda metade do século XIX e desfilavam com enredos de crítica social e política, apresentados ao som de óperas, com luxuosas fantasias e carros alegóricos.


2.1.1 Os ranchos carnavalescos

De todas as agremiações populares, o Rancho, surgidos em fins do século XIX, era o mais aceito pelas autoridades, pela sua forma de organização. Desfilavam também com um enredo, fantasias e carros alegóricos ao som de sua marcha característica, e eram organizados pela pequena burguesia urbana. (também conhecidos como blocos de cordas,em razão do cordão de isolamento e proteção).

Os blocos propriamente ditos, menos estruturados, abrigavam grupos cujas bases se situavam nas áreas de moradia das camadas mais pobres da população: os morros e subúrbios cariocas (mais modestos em sua gerência). A diferença entre blocos e ranchos é pequena.

De acordo com a autora Eneida Moraes , que cita Renato de Almeida, "os ranchos eram cordões civilizados, e os blocos, mistos de cordões e ranchos".
Foram justamente os blocos, ranchos e cordões que deram unidade musical a um desfile até então caótico: a tradição da brincadeira de rua já existia há muito tempo no Distrito Federal (desde o entrudo e mais tarde, o Zé Pereira),mas sem nenhum tipo de organização musical.

O Rancho carnavalesco, nascido no bairro suburbano da Saúde, tradicional região de imigrantes nordestinos, derivado do Rancho de Reis (existente em sua forma pagã desde 1873), foi a grande fonte inspiradora para as primeiras escolas de samba. Lembrando ainda as procissões religiosas, a sua música, voltada para as tradições folclóricas, principalmente o maracatu, trazia um andamento dolente, arrastado, nada apropriado para a euforia dos primeiros sambistas que também despontavam nesses mesmos espaços culturais:
Essa lentidão, que gerava um desfilar sem vibração, quase monótono, causava irritação aos carnavalescos da nova geração, que se mostravam desejosos de dançar com um ritmo mais alegre e de acordo com a folia do carnaval.
Esse motivo levou sambistas - como Ismael Silva e seus companheiros - compositores que viviam no Estácio e periferia, a criar um novo ritmo que permitisse cantar, dançar e desfilar, ao mesmo tempo"

Surge então, no bairro do Estácio de Sá, uma forma particular de execução do samba, que se propagou rapidamente e de forma que se tornou o samba tal como o conhecemos hoje.

Segundo Ismael Silva,creditando especial atenção ao compositor Sinhô,o samba se firmou por volta da década de 20. Ismael confirma que o gênero sofreu várias alterações com o passar dos tempos. Diz que “o samba antigo não dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, então, as características do samba do Estácio teriam sido criadas devido à necessidade que os blocos têm de cantar sua música marchando e não dançando”. (CABRAL, 1974:21)

Com o acelerado crescimento das cidades, foram surgindo também outras formas de entretenimento,e o choro foi perdendo lugar. Os chorões foram aderindo às novidades e trocando as festas por apresentações em teatros de revista, tocando em jazz bands ou profissionalizando-se, tocando em orquestras de cinema.
Das hoje esquecidas modinhas de salão nascia também, no início do século XX, o samba-canção. Segundo Regina Meirelles, o samba-canção, “substituto da modinha e da valsa, ganhou destaque no final dos anos 40, por influência do bolero, ritmo de muito sucesso na época; e o samba-canção era o ritmo brasileiro mais próximo do bolero”.